Não sei se chamaria o amor de sentimento ou uma capacidade
orgânica dos seres humanos. Amar é uma escolha, apesar de não se poder escolher
a quem vamos amar. A partir do momento em que nos abrimos a deixá-lo entrar pela
porta, sabemos que ele nos invadirá pela janela, pelas frestas, por caminhos que
nem mesmo nós sabíamos da existência. Quem entrará? Não importa. Ao se permitir
abrimos mão das escolhas. Há também os que optam por permanecer impávidos.
Estes não afeitos a arroubos, rompantes, dosam as sensações que permitem
passar. Não que este passe a ser um caminho mais fácil. Tampouco seria, pois
todas as tentações e desvios estão disponíveis ao alcance das mãos. A
vigilância permanente é a forma que encontram para não se sabotarem. Aliás,
sabotar-se é um ato inerente aos dois tipos. Cada um ao seu modo.
Sou desses que escolheram amar. Sofro e me delicio com as
consequências dessa posição. A dor é uma maneira de nos sentirmos vivos. Por
mais que tentemos ser altruístas, o que queremos de verdade é a reciprocidade.
Damos e queremos algo em troca. No desejo da correspondência acabamos moldando
o “eu” que apresentamos. Sendo assim, quase sempre somos uma versão melhorada
ou podada de nós mesmos. A começar pelos “perfis” de redes sociais, onde
montamos um universo ideal de nosso dia a dia, gostos, rotinas, pensamentos e
características. Transformar tudo aquilo em realidade é simplesmente irreal. Isto
também não deixa de ser amor. O medo de perder. A permanente inércia que teima
em não nos deixar mover, mudar. Se sabemos o que queremos ser, então por que
não mudamos? Medo, medo, medo. Medo do esquecimento. Antes disso, o medo da
solidão, que em nossos pesadelos se mostram carregados de um fim sem companhia.
Permaneço ao lado daqueles que seguem amando amar, pois não
sabem outra forma de viver. Mudei, é verdade. O que fui permanece sendo eu.
Tudo ainda sendo eu, pois está marcado nessa história que sigo escrevendo. Não
há chance de uma borracha apagar qualquer linha.
Já traí e fui traído. Posso dizer: trair foi pior. A
sensação de decepcionar as pessoas que você mais preza tem o poder de ferir e
permanecer latejando por anos. Perdoar-se é tão difícil quanto seguir em
frente. E uma coisa está diretamente ligada à outra.
A ânsia por acumular experiências, parceiras, como se
travasse uma luta contra o tempo, que ia me engolindo e vencendo. Sentia-me em
uma dívida constante. Sempre travado em relação a tudo: conhecimento, sexo,
bens, viagens, vida.
Sofremos da saudade de quem perdemos o contato. Tentamos
suprir com abraços e afagos virtuais, que acabam por não suprir nada. A
correria a qual nos impusemos não só atrapalha, mas também trava. Quem nunca se
viu sem saber por onde (re)começar? O eterno desejo de ter controle e perceber
que na maior parte das vezes a sensação é que uma força maior nos controla e
direciona. Seria o amor?
Algo muda em mim, no organismo e na alma, cada vez que vejo
meu avô dar um sorriso simplesmente porque a mulher que ama está sentada ao seu
lado. Ou quando meu pai chega em casa e seus olhos procuram por minha mãe. Percebo
que fizemos a mesma escolha. Optamos pela queda livre em um abismo que não se
vê o fundo. Chegaremos ao chão? Quando? Será que conseguiremos seguir vivendo
com o frio na barriga da incerteza? Pois foi a isso que nos dispusemos. Amar é
também se deixar perder e saber que ter vencido ao menos um dia já nos torna
alguém melhor.
Sempre vale a pena. Amar fere, mas constrói.
05/11/2014
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